quinta-feira, 31 de março de 2011

EXCERTO DA MINHA AUTOBIOGRAFIA

EXCERTO DA MINHA AUTOBIOGRAFIA
O autor com 13 anos de idade- 1952

A GUERRA E A FOME

( Lembro, caros leitores, que eu e o meu irmão éramos órfãos e estávamos em 1943 ,  em plena Segunda Guerra Mundial, onde tudo era racionado e o pão,  quase sempre sem conduto, sendo pouco e de milho amarelo, para nós, em casa do meu tutor, estava fechado á chave numa gavetae, 

IV

    Quando  havia  uma sardinha , esta era partida  ao meio;  Depois jogava-se à sorte  com uma agulha de pinheiro para ver quem era o feliz contemplado com a parte   do lombo; O que nos valia eram os passarinhos que caçávamos com os costelas e costelos , ratoeiras feitas de arame, com a diferença  de as costelas que, ao terem uma cobertura por cima , feita em rede,permitiam apanhar os pássaros vivos, que armávamos em locais mais ou menos seleccionados, mas de preferência  debaixo dàs arvores; Os pássaros vivos tinham ainda a missão de  chamar  a atenção de aos outros  pássaros  visto que eram amarrados a um fio e ,ao serem presos perto do local onde  as  ratoeiras se encontravam, serviam de chamariz; Assim a caçada era mais proveitosa.
    Na tarefa  de  lhes tirar as penas  era necessário depená-los pelo que arranjava uma ponta de colmo, que era extraida do centeio - na altura havia muito-  assoprava-se , depois de se ter feito uma incisão  no presunto do passarinho, até ficar cheio de ar; As penas depois saiam melhor; Eram tão bons; E quem é que se não lembra dos taralhões? Todas estas habilidades contribuiam para  eu ter um pouco mais de conduto; Nem sempre comia a  caça que apanhava; Lembro-me uma  vez de , quando  andava no pinhal com um saco a apanhar pinhas para a lareira,  de me ter deparado com um coelho a dormir debaixo de uns fetos secos; Lanço-me com o saco, que ainda estava vazio, para cima do coelho e  consegui apanhá-lo; Senti o cheiro do refogado do mesmo, quando a minha tia o arranjou, mas juro  que o pitéu me passou ao lado; Compreendo porque o  coelho não era muito grande, mas aquela atitude não me pareceu na altura correcta e hoje, com esta idade, e ao  ter pensado nela tantas vezes ,não consigo  explicar qual o Dom da Natureza que naquela situação foi usado; Teria sido o Dom do Amor? De certeza que não foi.
V
   Tudo isto motivava a imaginação do meu irmão mais  velho, a  tentar sobreviver e eu ,como espectador atento, ficava sempre na primeira fila a assistir aos espectáculos que ele me proporcionava;    Na época era hábito as pessoas colocarem os queijos de ovelha ou de cabra nos parapeitos das janelas a secar ;  Bastava apenas  um prego espetado na ponta de uma  vara com as medidas adequadas  para arranjar aqueles pitéus que,  sem pão, eram mais apetitosos.

   Por vezes o  espectáculo tinha variedades;  Em  quase todas as casas havia galinhas e coelhos;  Arranjava-se um coelho bi-funcional- isto é, caça  e alimentação;  Prendia-se o coelho  a um pinheiro e com uma fisga e pedras vá de tentar a pontaria; Depois toca de o  cozinhar para matar a malvada; Confesso que  eram dias espectaculares  e o meu  maneiro ,era assim que  a gente  se tratava , na época , era  o meu herói.
Mais uma história, infelizmente, verdadeira !
Da Biblioteca Viva
Março de 2011.

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